Henrique Meirelles: “O país do futuro”

O coordenador do Conselho de Política Econômica do Espaço Democrático escreve que os problemas urgentes que o Brasil tem hoje são praticamente os mesmos de décadas atrás. Segundo ele, a recorrência mostra que eles só deixarão de limitar a economia com reformas e programas sustentáveis de crescimento visando o longo prazo.

02/02/2015

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Henrique Meirelles, coordenador do Conselho de Política Econômica do Espaço Democrático e ex-presidente do Banco Central

Levei uma autoridade europeia para visitar um ministro em Brasília. Conversando sobre planejamento econômico, o visitante mencionou que alguns países asiáticos conseguiram altas taxas de crescimento mantendo o foco num horizonte de cinco a dez anos à frente.

Questionado sobre o nosso país, o ministro disse que o foco do planejamento do governo era de alguns meses. Diante da surpresa do visitante, o ministro se apressou em explicar os problemas importantes e urgentes de curto prazo, como o ajuste fiscal em andamento, a inflação alta, a necessidade de reajustar preços represados e controlar bancos públicos. Problemas mais estruturais de longo prazo, explicou o ministro, só poderiam ser tratados depois dos ajustes.

Esta conversa parece atual, mas aconteceu há algumas décadas. E evidencia que os problemas de curto prazo se repetem e só serão superados com planejamento e ações consistentes focados num horizonte mais longo.

O Brasil inicia agora mais um ajuste fiscal e mais um aperto monetário com a economia já estagnada, o que deve gerar contração em 2015. Mas, com persistência e aplicação integral das medidas necessárias, a confiança poderá ser restaurada e puxará investimentos e consumo, fazendo com que, no seu devido tempo, a contração seja total ou parcialmente compensada, abrindo caminho para a retomada do crescimento.

As incertezas, porém, são consideráveis e passam pelos efeitos da Operação Lava Jato nas grandes construtoras, em concessionárias e na própria Petrobras, ameaçando investimentos indispensáveis em infraestrutura. E há ainda a possibilidade de falta de energia e de água.

Somadas, essas incertezas geram grandes divergências de projeção econômica e afetam o planejamento de investimentos.

O desempenho do país será um com racionamento de energia e outro sem ele. Já o impacto da falta de água é menos conhecido, gerando maior divergência de projeções e menor capacidade de planejamento.

Essa crise dupla de energia e água, aliada às questões macroeconômicas endereçadas pelo ajuste, revela como a falta de visão e planejamento de longo prazo é o problema grave a ser enfrentado pelo Brasil.

Os problemas urgentes de hoje são praticamente os mesmos de décadas atrás, quando daquela conversa em Brasília. É preciso de fato equacioná-los no curto prazo, mas sua recorrência mostra que eles só deixarão de limitar a economia e o padrão de vida dos brasileiros com reformas e programas sustentáveis de crescimento visando o longo prazo.

Entre tantos desafios, a crise atual revela sobretudo que o hábito de pensar e planejar o futuro precisa ser mais demandado dos governantes e fazer parte da reforma educacional do país.

Artigo publicado na edição de 1º de fevereiro de 2015 da Folha de S. Paulo.

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