Henrique Meirelles: ‘Tolerância tem limite’

Com o retorno das discussões sobre a inflação no Brasil, é notável a volta também da discussão sobre o papel dos juros no seu combate, diz, em artigo, o ex-presidente do Banco Central.

23/03/2014

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Henrique Meirellescoordenador do Conselho de Política Econômica do Espaço Democrático e ex-presidente do Banco Central. 

Os jornais dão destaque às discussões e preocupações com as taxas de inflação. É assunto relevante. Quanto maior a expectativa da sociedade em relação à inflação futura, maior a taxa de juros necessária para que a inflação volte à meta de 4,5%.

Para manter a inflação controlada, os bancos centrais procuram equilibrar a oferta e a demanda, evitando superaquecimento da economia que pressione os preços ou deficiências de demanda que gerem recessão ou inflação abaixo da meta. No Brasil, é preciso compreender bem o regime de metas de inflação adotado para entender sua dinâmica e o que pode e deve ser feito.

A política monetária de um país, por exemplo, não consegue afetar preços de produtos cotados internacionalmente (commodities) ou controlar aumentos extemporâneos de alimentos causados por uma seca. A alta desses produtos é chamada de choque primário de oferta. Há maneiras distintas de separar as altas geradas por choques de oferta dos demais aumentos de preços para a tomada correta de medidas de política monetária.

O Fed (BC dos Estados Unidos) usa o núcleo da inflação, que exclui preços de alimentos e energia. No Brasil, a experiência aponta que a medida mais adequada é a do núcleo de inflação com exclusão de alimentos e preços administrados pelo governo, não diretamente afetados pela política monetária. Essa medida traz a vantagem adicional de eliminar a tentação dos governantes de influenciar a política monetária com controle de preços. Nesse sistema, não há limite de tolerância. O núcleo da inflação deve estar em torno da meta central.

O Brasil, no entanto, adotou em 1999 um sistema de metas que mede a chamada inflação cheia. Ela inclui alimentos, commodities e preços administrados pelo governo, com adoção de um intervalo de tolerância para acomodar choques primários de oferta. Mas a tolerância tem limite de dois pontos percentuais –ou seja, 6,5 % de inflação máxima e 2,5% de mínima.

Quando a inflação se mantém estável perto do topo por período longo, cresce o risco de um choque de oferta mais forte (como o provocado por secas ou outras intempéries) levar a inflação a estourar o teto da meta. Independentemente do sistema, os BCs devem combater os efeitos desses choques sobre outros preços para evitar que contaminem toda a economia.

Finalmente, com o retorno das discussões sobre a inflação no Brasil, é notável a volta também da discussão sobre o papel dos juros no seu combate. A teoria e a prática no mundo inteiro já eliminaram, porém, qualquer dúvida de que o instrumento mais eficaz para o controle da inflação é o manejo da taxa básica de juros do BC, mas isso é tema de uma próxima coluna.

Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 23 de março de 2014.

 

 

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