Rubens Figueiredo: ‘Opinião pública em tempos sombrios’

Resultados das últimas pesquisas mostram que a opinião pública está menos sujeira às turbulências do dia a dia. É o que o diretor do Espaço Democrático, Rubens Figueiredo (foto) explica em artigo.

17/12/2014

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Rubens Figueiredo, cientista político e diretor do Espaço Democrático

A opinião pública tem razões que a própria razão desconhece. Pesquisa realizada pelo Datafolha em dezembro de 2014 mostrou resultados que, à primeira vista, contrariam tudo aquilo que seria razoável esperar. Em outras palavras, está cada vez mais difícil antecipar tendências ou enxergar uma relação de causa-efeito entre os acontecimentos que monopolizam o noticiário e os resultados dos levantamentos.

O instituto apurou, entre 2 e 3 de dezembro, que 68% dos entrevistados responsabilizavam a presidente Dilma Rousseff pela corrupção na Petrobrás. Mas não houve uma oscilação digna de nota na avaliação do governo da mesma Dilma Rousseff. Os entrevistados que aprovavam o governo seguiam sendo 44%, o mesmo patamar de outubro (base de comparação), logo após a monumental cruzada publicitária da candidata petista durante a campanha eleitoral. Houve um aumento de modestos 4 pontos percentuais entre os que consideram o governo ruim ou péssimo.

É como se a Petrobrás fosse de Marte e o governo Dilma fosse de Vênus. Era de se esperar que, diante da gravidade das denúncias e do espaço dado pelos meios de comunicação à cobertura do episódio, a aprovação do governo tivesse uma queda mais acentuada. Isso porque 84% dos brasileiros tomaram conhecimento do caso, segundo a mesma pesquisa. Mas não.

Talvez uma pista para explicar essa discrepância entre raciocínio lógico e resultados ilógicos esteja em dois achados da própria pesquisa. O primeiro é, entre os problemas nacionais, a preocupação com a corrupção, parece incrível, vem diminuindo. Caiu de 14 para 9% em dois meses. É como se a mensagem fosse: quanto mais corrupção, menos preocupados estamos com a corrupção. Depois, o governo da presidente Dilma é considerado – e com razão – aquele no qual a corrupção foi mais investigada e os corruptos mais punidos.

Outro aspecto relevante é que a adesão dos brasileiros à democracia é a maior desde 1989. Nada menos do que 66% dos brasileiros acham que a democracia é melhor do que qualquer outra forma de governo. E isso num momento particularmente delicado: corrupção, economia patinando, um sistema político que tem 28 partidos com representação no Congresso, gente na rua pedindo a volta dos militares…

Millôr Fernandes costumava dizer: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”. Fosse desse jeito, o mais razoável seria esperar um povo menos democrático. Afinal, quase metade dos votos válidos foram dados ao candidato oposicionista, Aécio Neves. Tem muita gente sendo mandada pelo “outro” no Brasil.

De qualquer maneira, a expressiva adesão à democracia e a estabilidade da aprovação do governo Dilma significam uma opinião pública menos sujeita às turbulências do dia a dia. Se é verdade que o nível de corrupção assusta, também é que as instituições estão funcionando, o caso está sendo elucidado e muitos figurões estão na cadeia. Talvez por isso tantos brasileiros achem que vale a pena confiar na democracia.

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