Rubens Figueiredo: ‘A política da reforma’

Em artigo, diretor do Espaço Democrático defende o avanço por etapas, "estabelecendo uma agenda de micro aperfeiçoamentos na legislação, a serem adotados ao longo do tempo. "Precisamos conciliar o desejo de estabelecer uma ordem próxima da perfeição com a capacidade de desempenho do Congresso".

24/11/2014

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Rubens Figueiredo

Rubens Figueiredo, cientista político, coordenador de Conteúdo do Espaço Democrático e organizador do livro “Junho de 2013 – A sociedade enfrenta o Estado” (Summus Editorial).

A reforma política é um assunto recorrente no debate político nacional pelo menos desde 1985. Faz, portanto, quase trinta anos que se fala sobre o tema. Com os movimentos de junho de 2013 e o escândalo da Petrobrás, a discussão voltou com força no Congresso e nos meios de comunicação.

Em junho de 2013, o que se questionava era principalmente a qualidade da representação. O diagnóstico era de uma grande falta de sintonia entre a sociedade e as instituições políticas responsáveis por canalizar suas demandas e frustrações. Agora, a bola da vez é o financiamento público de campanha, defendido por alguns como a panaceia para todos os nossos males e o caminho sem percalços para o restabelecimento da moralidade.

Dois mitos costumam circundar as discussões sobre a reforma política. O primeiro a associa a algum grande impulso da sociedade, o que definiria a possibilidade de consecução dos trabalhos. Ora, de 1992 para cá, tivemos acontecimentos de enormes proporções que não trouxeram como consequências avanços significativos em nossa estrutura política: o impeachment de Collor, o Mensalão, as manifestações de 2013 e, agora, o escândalo da Petrobrás.

O segundo mito é a persecução de uma “reforma revolucionária”, expressão que embute uma contradição nos próprios termos que, de alguma maneira, antecipa a impossibilidade da empreitada. É o que eu chamo de “Reforma Carla Bruni”: deve ter todas as virtudes. Para se ter uma ideia, a PEC 352/2013, em tramitação na Câmara,  propõe nada menos do que 15 modificações, algumas altamente polêmicas como o fim do voto obrigatório, a coincidência de todas as eleições, o fim da reeleição e a mudança do sistema eleitoral. A chance da PEC ser aprovada do jeito que está é zero.

Gasta-se uma energia sobrenatural na proposição de uma arquitetura política engenhosa (um arriscado experimento institucional, na verdade) que, numa visão ingênua, teria o condão de estabelecer comportamentos republicanos e conciliar representantes e representados. Mas se pensa muito pouco na forma de encaminhar as discussões: se a reforma é política, é preciso pensar na política da reforma.

Nos últimos anos, o Brasil experimentou aperfeiçoamentos no seu sistema político sem grandes arroubos revolucionários. Não faz muito tempo, candidatos podiam dar brindes aos eleitores e os pagodeiros eram mais importantes que os líderes políticos nos showmícios. Acabou. Infidelidade partidária: não pode mais. A Lei da Ficha Limpa está aí funcionando.

Talvez fosse mais efetivo avançar por etapas, estabelecendo uma agenda de micro aperfeiçoamentos na legislação, a serem adotados ao longo do tempo. Precisamos conciliar o desejo de estabelecer uma ordem próxima da perfeição com a capacidade de desempenho do Congresso. A opinião vai de Boeing enquanto as instituições processam demanda na velocidade de um Jeep68. Adissonância é evidente.

A irmã siamesa da reforma política, no plano da agenda setting nacional, é o sonho de uma magnífica e estrondosa reforma tributária, que simplificaria o sistema, melhoraria o pacto federativo, diminuiria impostos e aumentaria a arrecadação. Isso é tão bonito quanto inexequível. Agora, a adoção de medidas simplificadoras de alto impacto, como a nova Lei da Microempresa, capitaneada pelo ministro Guilherme Afif, acarreta um aperfeiçoamento tributário de grande magnitude, sem grandes turbulências e desgastes.

Neste sentido, seria mais efetivo, no plano político, perseguir avanços mais modestos e realizáveis. Num primeiro lance, é possível aprovar a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais. Não há grandes resistências nos grandes partidos sobre essas medidas. Tais medidas aumentariam a governabilidade, a efetividade decisória, a transparência e a adesão da opinião ao nosso sistema político. Seria um avanço e tanto.

 

Foto de capa: Jefferson Rudy/Agência Senado

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