Educação: Perspectiva e Mudança

Ciclo de debatesDESATANDO OS NÓS QUE ATRASAM O BRASIL   Debatedores ALEXANDRE SCHNEIDER, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo. GUIOMAR NAMO DE MELLO, presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e ex-secretária da Educação Municipal de São Paulo na gestão do ex-prefeito Mário Covas. Mediador GUILHERME AFIF, vice-governador do Estado de São Paulo e presidente […]

31/07/2014

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Ciclo de debates
DESATANDO OS NÓS QUE ATRASAM O BRASIL

 

Debatedores

ALEXANDRE SCHNEIDER, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

GUIOMAR NAMO DE MELLO, presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e ex-secretária da Educação Municipal de São Paulo na gestão do ex-prefeito Mário Covas.

Mediador

GUILHERME AFIF, vice-governador do Estado de São Paulo e presidente do Espaço Democrático.

Participação

RUBENS FIGUEIREDO, cientista político e diretor do Espaço Democrático.

 

Sérgio Rondino: Começa aqui o oitavo debate do ciclo “Desatando os nós que atrasam o Brasil”, promovido pelo Espaço Democrático, a fundação para estudos e formação política do Partido Social Democrático, PSD. Como das outras vezes, nós estamos sendo acompanhados via internet por militantes e simpatizantes do PSD em todo o Brasil. Nós já tratamos aqui de economia, de relações internacionais, de cultura, de economia criativa, da questão da criminalidade no Brasil, da lei do imposto na nota e da situação da saúde pública no Brasil.

Hoje, o nosso tema é “Educação: Perspectiva e mudança – o que levamos do século 20 para o século 21”. Em discussão, entre outros problemas, o currículo escolar, a gestão da escola pública e as inovações que podem revolucionar o sistema do ensino. Participam deste debate a professora Guiomar Namo de Mello, que é presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo e ex-secretária da Educação Municipal de São Paulo na gestão do ex-prefeito Mário Covas.

Também está conosco o ex-secretário da Educação da Cidade de São Paulo na gestão Gilberto Kassab, Alexandre Schneider. E o vice-governador de São Paulo, o Dr. Guilherme Afif, que é presidente do Espaço Democrático. Também conosco, participando como debatedor, o diretor do Espaço Democrático, o cientista político, Rubens Figueiredo.

Este é o nosso oitavo debate. Ele é uma contribuição do Espaço democrático à construção do programa partidário do PSD. Por isso, agora, vale uma palavra inicial do presidente Afif.

 

Guilherme Afif: Boa noite a todos os internautas que nos acompanham por todo o País. Eu queria saudar com muito carinho a presença da professora Guiomar Namo de Mello, do nosso querido Schneider, ex-secretário de Educação da Prefeitura de São Paulo e que é o coordenador do grupo da educação dentro do nosso Espaço Democrático.

Aqui nós vamos tratar hoje de um dos assuntos mais importantes, se não o mais importante desafio que o Brasil tem pela frente, tendo em vista o que está acontecendo no mundo, a revolução no campo da educação, da formação das pessoas e os desafios que nós temos pela frente. Os nossos debatedores têm muita experiência, inclusive internacional, o caso da nossa querida professora Guiomar, que inclusive está convivendo, hoje, com as alterações profundas que os países mais desenvolvidos estão promovendo no campo educacional.

O Schneider, pela sua experiência, ainda jovem, mas bem experiente, em contato direto com a educação no município de São Paulo, um dos mais desafiantes do Brasil. Então, pelo currículo dos nossos debatedores, eu tenho certeza de que nós sairemos todos ganhadores em termos de conhecimento para o nosso projeto de nação e para as diretrizes do programa partidário. Até porque, infelizmente, no Brasil de hoje nós não estamos debatendo política com profundidade.

Nós estamos procurando, no Espaço Democrático, fazer esse debate em profundidade, trazendo pessoas mesmo que não estejam vinculadas ao partido, mas vinculadas ao País, preocupadas com o futuro do País. É com esta visão que nós estamos atraindo esses especialistas para nos ajudarem a pensar o Brasil. Parabéns a vocês! Obrigado!

 

Sérgio Rondino: Por isso, aliás, que no final deste debate eu vou perguntar aos nossos especialistas da área de educação o que o programa do PSD pode ou deve conter sobre esse tema. Nós vamos começar por uma fala inicial do nosso secretário Alexandre Schneider.

 

Alexandre Schneider: O PSD tem na educação talvez uma das suas principais prioridades. A gente vem de uma história de muitos ganhos nos últimos anos, especialmente nos anos 1990, quando a gente conseguiu fazer, no Brasil, a universalização do ensino fundamental.

Na educação infantil e no ensino médio nós temos um caminho a seguir na inclusão das crianças na escola. Na etapa creche, apenas 23% das crianças estão frequentando creches no país. No ensino médio, cerca de 80% dos alunos frequentando. Mas para o PSD, o direito à educação não é o direito de estar na escola. É o direito de estar na escola aprendendo. E nisso o País precisa avançar, e avançar muito.

Todos os indicadores têm mostrado que os nossos alunos ainda não têm o conhecimento adequado em Língua Portuguesa e em Matemática. Para o PSD, garantir o direito de aprender é investir no professor, na escola, e é trabalhar com a federação, prefeitos e governadores para fazer a revolução que o País precisa na educação.

Queria cumprimentar e agradecer a Guiomar Namo de Mello, que é talvez uma das maiores especialistas em educação no nosso País. Presidente do Conselho Estadual de Educação, com experiência no município e em organismos internacionais. Uma pessoa com a qual a gente convive e continua aprendendo sempre.

 

Sérgio Rondino: Professora Guiomar, queremos ouvi-la!

 

Guiomar Namo de Mello: Eu quero agradecer muito ao convite do Espaço Democrático para contribuir com o debate que vocês estão realizando tendo em vista o programa do PSD. E gostaria de começar a minha fala a respeito dos nós. Acredito que o nó da educação deva ser, talvez, o mais difícil porque é o mais complexo dos nós que impedem que o Brasil deslanche maciamente para o século 21 – estamos indo aos trambolhões. Acho que talvez seja bom a gente pensar um pouquinho no passado. Esses nós não são recentes, eles foram amarrados há algum tempo, no caso da educação. E a gente poderia ir muito longe.

Quando Dom João VI chegou no Brasil, ele criou, em dez anos, nove instituições de ensino superior. Porque as pessoas não podiam mais ir para a Europa, por causa da guerra, e precisavam ter acesso ao ensino superior aqui. Dom João VI chegou com uma biblioteca real que é até hoje uma joia que o Brasil tem, numa cidade, o Rio de Janeiro, que tinha 80% de analfabetos. Era como se hoje a gente chegasse com uma nave espacial dentro de uma tribo de ianomâmi – talvez o choque não fosse tão grande.

Então, a educação voltada para o interesse da elite, para o interesse das pessoas que tinham poder na corte, no Primeiro Reinado, no Segundo Reinado e, depois, na própria República, é frequente. Nunca se pensou na escola básica. Para se ter uma ideia, Pombal (Sebastião José Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, ministro durante o reinador de D. José I em Portugal) mandou os jesuítas embora do Brasil, em 1759. Em 1834 ainda não tinha professor neste País. Então, realmente, foi só com a fundação do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, que se criou ginásio normal, que depois daria a continuidade para o colégio normal. Além do que a nossa república demorou 67 anos para chegar em relação aos países vizinhos, que tiveram revoluções bolivarianas (Simón Bolívar, libertador de colônias espanholas como Venezuela e Colômbia) e San Martin (José Francisco de San Martín, libertador de Argentina, Chile e Peru).

Nós, mesmo durante a República e durante o Império, tivemos problemas sérios com a educação do povo, nunca tivemos problema com a educação das elites. O Brasil é especializado em educar pessoas de alto nível. E a gente até pergunta como é que o País cresceu tanto a partir dos anos 30/40, como é que foi possível esse crescimento, sendo que a gente tinha uma população economicamente ativa com o mais baixo índice de escolaridade do mundo e a gente tinha uma quantidade enorme de analfabetos e crianças fora da escola.

Quando eu comecei a mexer com dados da educação, nos anos 1960, nós tínhamos só 67% de crianças na escola; nós ainda tínhamos 33% de crianças fora. Nós só universalizamos o ensino fundamental no fim do século. Demoramos 500 anos para por todas as nossas crianças na escola. Foi um árduo caminho. No entanto, a universidade sempre teve um privilégio bastante grande. Eu mesma participei dos movimentos estudantis, progressistas, defensores da escola pública, mas a gente brigava pelas reformas de base, que era a reforma agrária, universitária, política e bancária. Nem mesmo na minha juventude lembro de a gente ter ido para a rua para pedir reforma de base para a educação básica. A gente pedia reforma universitária. Reforma universitária num país que tinha 1% de estudantes na universidade. Quer dizer, nós estávamos realmente preocupados com o nosso próprio umbigo. Não tínhamos outra percepção. Mas são erros de gerações, e por isso que eu digo que esse nó é antigo.

Essa escola de elite começa a crescer a partir dos anos 1960. A industrialização e a urbanização empurram as grandes massas para dentro da escola e você expande aquele modelo empobrecido. Gera uma crise de qualidade sem tamanho, que é o que nós estamos administrando hoje, que são os indicadores que o Alexandre acabou de falar. Esses indicadores são de agora, mas eles foram e são um desastre anunciado há bastante tempo, já desde os anos 1930, 1940. Tivemos o manifesto dos pioneiros em 1932, e os pioneiros dizendo “equidade e qualidade na escola é base de democracia”. Mas nunca ninguém levou a sério. Quando eu digo nunca ninguém levou a sério, são os políticos, as grandes lideranças sindicais, enfim, aqueles que podiam de alguma maneira conduzir os processos de decisão política do Brasil.

Então, nós tivemos em 1961 uma luta pela escola pública que não prosperou. Ela simplesmente ficou do jeito que estava. Quatro anos depois tivemos o golpe e daí para frente tivemos uma série de medidas, algumas, inclusive, boas. O governo militar tomou algumas medidas que foram importantes. Por exemplo, foi o governo militar que acabou com o exame de admissão. O exame de admissão a gente fazia quando terminava a quarta série – o vice-governador talvez se lembre – para poder entrar no ginásio. E a gente fazia porque se dizia naquela época que continuar estudando não era para qualquer um. Qualquer um quem é? É o homem do povo. Então, essa crise de qualidade foi plantada há bastante tempo, não é? E hoje acho que encaramos isso com várias perspectivas.

Acho que nós aprendemos muita coisa, avançamos muito. Mas eu gostaria de deixar para a mesa do debate que acho que nós temos três grandes nós para poder vencer o problema da qualidade de ensino no Brasil. O primeiro é o modelo federativo. Nós precisamos de um pacto federativo urgente na educação, definindo o que cada instância faz, porque o governo federal forma professor, o governo estadual contrata e o governo municipal contrata professor e têm que gastar todo dinheiro para ensinar para o professor uma série de coisas que ele não aprendeu no curso superior, fiscalizado pelo governo federal. Em algum momento a gente tem que se entender, não é?

Temos agora uma mania de currículo nacional, mas o governo federal não dirige escola, de modo que nós temos que nos entender. O segundo problema é o da formação do professor. Nisto nós avançamos zero. O Brasil avançou zero em matéria de formação de professor. Na era digital nós ainda formamos professor como nos anos 1960. E o terceiro problema que nós teremos que enfrentar é repactuar o papel dos sindicatos e as relações do governo, do sistema de ensino com o sindicato. Na minha opinião, se nós não desenrolarmos esses três nós, não desenrolaremos o nó da educação. É um pouco dizer assim: “se não quebrar ovo, não tem omelete na educação”. No meu modo de ver, pelo menos.

 

Sérgio Rondino: No final da tarde de hoje enviamos a militantes e simpatizantes do PSD em todo o Brasil um torpedo com a seguinte enquete: Como melhorar a educação pública? Com formação continuada do professor; com um currículo mínimo nacional; ou com mais investimentos? Para participar basta que você envie um torpedo, uma mensagem de texto para o número 61-8289-5555, digitando apenas A, B ou C para escolher uma das respostas. O resultado a gente mostra no final do debate de hoje. Nós fomos às ruas de São Paulo ouvir a população a respeito da questão do ensino público no Brasil. Temos algumas perguntas gravadas aqui para os nossos debatedores. Vamos à primeira?

 

Cidadão:

Meu nome é Gidalfo Figueira, trabalho com vendas, e a minha pergunta é: por que se investe tão pouco em professores?

 

Alexandre Schneider: Olha, a gente pode sempre investir mais nos professores. Aqui na cidade de São Paulo, o nosso presidente nacional do PSD, prefeito Kassab, transformou, mudou a carreira dos professores. Ele investiu em formação vinculada à questão da sala de aula. Ou seja, a formação continuada do professor estava vinculada ao projeto pedagógico da secretaria e da rede municipal. E investiu também no salário. É importante trabalhar em questões como as que a professora Guiomar acabou de colocar. Nós precisamos investir na formação inicial dos professores, discutir se essa formação inicial está adequada – e no meu entendimento não está adequada para os desafios que nós temos pela frente – e trabalhar com projetos estruturados. O professor muitas vezes chega à escola e se sente órfão no processo de ensino e aprendizagem. O PSD defende o professor como ponto central desse processo. E é por isso que no nosso programa vamos trabalhar essa questão como trabalhamos no município de São Paulo. Investindo na formação dos professores –uma formação voltada para o trabalho em sala de aula –, investindo no salário e nas condições de trabalho desses profissionais.

 

Rubens Figueiredo: Eu queria colocar uma questão que complementa o que foi falado pelo Alexandre e pela professora Guiomar. Nós sabemos que o Brasil, infelizmente, frequenta os últimos lugares nos rankings internacionais de educação. Mas quando você pergunta para a população quais são os principais problemas do país, é raríssimo que a educação ocupe as primeiras posições. E quando se faz pesquisas sobre a opinião que os pais têm sobre a educação de seus filhos, normalmente eles consideram essa educação boa, adequada ou até ótima. Talvez por causa da merenda escolar e do uniforme que são distribuídos pela maioria das prefeituras. Minha pergunta é a seguinte: falta uma cultura de educação no Brasil, professora?

 

Guiomar Namo de Mello: O pai e a mãe trabalham e põem o filho na escola. Eles chegam na escola e encontram professor, sala de aula. Isso já não está faltando mais. Tem escola, tem professor, tem sala de aula, tem diretor e às vezes até tem Bolsa Família. O que um cidadão comum, que talvez não tenha ido à escola ou, pelo menos, não tenha completado toda a escolaridade iria pensar? “Ah, essa gente deve saber o que faz”. Quer dizer, eu estou colocando meu filho na escola, está escrito escola lá na porta. Em princípio, ela sabe ensinar. E ele talvez não se julgue em posição de arguir a competência, a clareza ou a organização da escola, né? Ele considera, às vezes, até que é um favor. Que essa escola é um favor.

Por isso que a história de você pôr o imposto na nota seria importante até para eles saberem que também pagam por isso. Eu acho que o que falta é que a gente faça um trabalho de educação com os pais. A gente fala tanto em educação de adultos e, se não me engano, os pais das nossas crianças são adultos. Eu acho que eles deveriam ser chamados à escola não só para fazer cachorro-quente em festa junina, mas também para saber o que os filhos estão aprendendo. Mostrar para eles quem é a professora e dizer quais são as regras da escola, contar para eles que fazer lição é uma coisa importante, que eles precisam criar uma rotina. Eles estão muito empenhados na educação dos seus filhos. Quando você vê aquela mãe trabalhadora, faxineira, que sai de manhã puxando o menino pela mão e vai levar para a escola, para ela é muito mais difícil do que para a mãe que tem motorista. Para a mãe pobre, pôr filho na escola é duro. Para a mãe que tem motorista é fácil. Então, nós precisamos chamar essa mãe e dizer que estamos ali para ajudá-la a criar seu filho e não para cobrar que o filho dela não se comporta etc etc.

 

Guilherme Afif: Eu queria compartilhar aqui uma experiência. Ocupando a pasta do Trabalho, nós fizemos uma avaliação daqueles cursos de formação rápida. E nós vimos aqui o quanto de dinheiro nós jogamos nesses cursos, e jogamos dinheiro fora. Até porque nós vamos pegar uma massa de trabalhadores, principalmente os que têm dificuldade de arrumar emprego, que estão diretamente ligados à qualificação. E quanto mais idade eles têm, menor a escolaridade. Então, nós resolvemos investir num programa de formação que reforça pontos do ensino fundamental. Porque senão você dá aula e eles simplesmente não entendem. Não sabem fazer conta, não compreendem, mal assinam o nome. São analfabetos funcionais. Então, essa experiência nos levou a um trabalho, Guiomar – até junto com o Schneider na prefeitura –, que fizemos com várias prefeituras no interior, onde a secretaria investia nos cursos de qualificação. Mas nós faríamos um trabalho mais expandido, que é chegar no EJA profissionalizante (Educação de Jovens e Adultos). Ou seja, o pai que leva esse aluno para a escola, ele poderia frequentar o EJA desde que tivesse a perspectiva de que aquilo seria base para sua profissionalização.

Esse trabalho foi feito. Nos já investimos em toda a parte de metodologia de transmissão, principalmente utilizando mais o visual. Até porque eles têm dificuldades na leitura, então, você tem que captar pelo visual. Para que ele possa se interessar e começar a ler e entender aquilo que ele está lendo. Depois nós fomos mais a fundo, entender o que estava acontecendo no EJA. E nós descobrimos que parece que ele fica muito tempo ali porque virou um clube da terceira idade. Ou seja, como ele não tem mais convivência, vai acabar frequentando o curso para poder, então, ter o que fazer, ocupar-se, ter relacionamento, e aí não sai mais do EJA. Ele gosta, viram colegas eternos.

Então, acho que um dos pontos para nós trabalharmos é exatamente essa volta à escola, trabalhando com esses pais, mas dando uma perspectiva efetiva de profissionalização. Você faz o reforço do ensino fundamental através do que nós chamamos no nosso tempo – você falou da admissão, no meu tempo era madureza – então, que o EJA hoje é a madureza. E investir para que esses adultos, que têm inclusive filhos, possam ter, no final, um curso de profissionalização para melhorar as condições salariais no mercado de trabalho. Eu queria compartilhar com vocês essa experiência. Não sei como é que ficou lá, Schneider, depois da sua saída, mas eu sei que no interior o pessoal está gostando muito.

 

Alexandre Schneider: A grande questão que nós enfrentamos no EJA – e a proposta foi muito importante –, é que no momento em que o mercado de trabalho está aquecido, você perde alunos. O curso tinha pouca atratividade para os alunos. Na medida em que a gente colocou um componente profissionalizante, que o aluno vê que vai sair dali com um diploma que é importante para ele ter emprego, tem mais interesse e não deixa a escola. A escola era um entra e sai… Porque entre estar lá e arrumar um emprego, mesmo que seja temporário, o emprego era algo que no curto prazo satisfazia mais. Então, juntar o componente profissionalizante com a educação de jovens e adultos é um programa importantíssimo, mas não houve continuidade. Espero que isso volte. Porque dá qualidade e mantém o interesse dos alunos em não sair, não deixar a escola sem completar o ensino fundamental.

 

Guilherme Afif: Eu, inclusive, advogo o reforço. Se por acaso ele está no Bolsa-Família, dobra a verba do Bolsa-Família enquanto estiver cursando o EJA. Então, com isso, a evasão diminui muito e o resultado que nós podemos alcançar é o melhor até para uma saída… Se diz que não se deve falar da saída do Bolsa-Família, mas é uma porta de entrada para o mercado de trabalho, efetivamente.

 

Sérgio Rondino: A propósito, nós temos uma pergunta que veio do Roberto Pacheco. Veio pela internet. A pergunta dele é a seguinte: qual medida deve ser tomada para reduzir a taxa de abstenção, de ausência nas escolas públicas?

 

Alexandre Schneider: A evasão hoje é um problema maior no ensino médio do que nas outras etapas de ensino. No meu entendimento – a Guiomar é especialista no assunto, trabalhou a questão curricular do ensino médio –, por conta de alguns componentes. Primeiro, você tem um curso que não atrai os alunos. Quer dizer, os alunos não entendem que aquilo vai servir para o seu desenvolvimento pessoal e profissional. Na idade em que estão, já tomam suas decisões. Portanto, muitos acabam evadindo, saindo da escola, deixando o curso. Segundo lugar, porque o currículo é enciclopédico e, portanto, o próprio curso acaba sendo algo que não atrai os alunos. De um lado ele não vê que terminar o ensino médio vai levar a um processo de profissionalização ou de desenvolvimento pessoal; de outro, o curso, para dizer uma palavra um pouco mais clara, é chato. Ele não vê aquilo… aliás, mesmo os alunos das escolas particulares acabam não vendo aquilo como algo interessante.

 

Guiomar Namo de Mello: O ensino médio é um problema não só no Brasil, não. Em princípio, é o nível de ensino mais problemático inclusive em outros países. Nós, aqui, claro, temos o problema socioeconômico que agrava, não é?

 

Alexandre Schneider:  É, mas acho que ali, nos outros países, você tem alguma escolha. Você tem um caminho para o profissionalizante mais cedo, você tem escolhas que levam a um currículo um pouco mais enxuto, não é? E com determinadas matérias que podem ser de mais interesse. Mas, enfim, acho que você se sente mais à vontade do que eu nesse tema do ensino médio.

 

Guiomar Namo de Mello: As soluções são, às vezes, até meio opostas. Então, o que você tem no Brasil é uma escola de ensino médio depauperada. O ensino médio nunca teve financiamento, não vamos nos esquecer disso. Antes do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), o ensino médio só tinha dinheiro que sobrava da cota do salário educação do ensino fundamental. Ele era meio passageiro clandestino: um professor de Língua Portuguesa que dava aula no ensino fundamental também dava no ensino médio. Então, ele recebia uma quantidade de aulas, uma parte ele tinha dado no ensino médio, e ele recebia com a cota estadual do salário-educação, que em princípio era só para o ensino fundamental. Então, era uma coisa muito confusa. Uma escola que se deteriorou, que é noturna – e que não é noturna só porque o pessoal precisa trabalhar, é noturna porque às vezes não tem vaga no diurno.

E obviamente tem esse currículo enciclopédico que o Alexandre falou. A física que a gente dá no ensino médio é ainda uma física, sei lá, do Galileu, no máximo… não se chega nas questões mais importantes. Não tem professor preparado. O Brasil não tem professor de matemática, de física, de química – de biologia ainda tem um pouco mais – e de geografia, por incrível que pareça. Nós temos falta de especialistas nessas áreas. Muitas vezes, quem dá química ou física não é um especialista na área. O currículo organizado por área foi uma tentativa até de, em parte, resolver isto.

Então, é uma série de problemas.  Que acontece quando? Acontece na hora do desenvolvimento humano mais complicado, que é a hora em que você está descobrindo quem é você, qual é o seu sexo, qual é a sua cor… enfim, terminando de construir sua identidade e os hormônios estão muito bagunçados nessa fase da adolescência. Ou seja, é quase que uma bomba de efeito retardado. Todos esses fatores juntos. Uma escola chata, de noite, o indivíduo que trabalha está cansado, está numa fase difícil, o currículo não ajuda, não tem professor. É um milagre que os alunos do ensino médio sobrevivam.

 

Sérgio Rondino: Eu gostaria de lembrar que como nós temos feito aqui nos sete debates anteriores, nós vamos sortear um exemplar do livro Em busca da melhor cidade – Análises, ideias e soluções para os Municípios do Brasil, que é editado pelo Espaço Democrático. Será sorteado entre aqueles que estão enviando perguntas para o pessoal aqui da mesa. Contém artigos de vários autores a respeito dos caminhos para melhorar a vida nas cidades. Eu quero agradecer também à participação dos que têm enviado comentários aqui para o debate. Que é o caso da professora Sílvia Deus. Ela é lá de Goiás e faz uma sugestão bem humorada para melhorar a situação dos professores. Ela pergunta o seguinte: “Que tal indexar o nosso salário ao salário dos deputados?”. O Damásio Ferreira, que participou pelo Facebook, afirma o seguinte: “O exemplo ainda é a melhor forma de educar”. Já o professor Ricardo Antônio, de Caxias do Sul, diz que os jovens participarão mais do aprendizado se puderem colocar em prática o que eles aprenderam em aula. Alguém quer fazer uma observação sobre os comentários?

 

Guilherme Afif: Eu quero fazer uma pergunta. E eu vou dirigi-la à professora Guiomar. Nós estamos falando muito de juventude, de melhorias de condição de ensino, e hoje nós estamos assistindo uma inclusão digital muito rápida nas novas gerações. É impressionante isso que está acontecendo. Eu acho que o ensino fundamental já está recebendo esses inputs e não adianta falar que é de uma elite. Não. As lan houses estão aí esparramadas para mostrar a velocidade com que essas novas gerações aderem a essas ferramentas. E uma das grandes dificuldades é exatamente quando ele chega na escola e ela está um pouco defasada com respeito a este processo. E aí nós temos até a dificuldade de fazer a inclusão digital dos professores, prepará-los para este novo ciclo.

Aqui no Estado de São Paulo, o governador Geraldo Alckmin determinou junto à Secretaria da Educação, e eles estão promovendo um profundo estudo do conceito da aula digital, para preparar as escolas para este novo ciclo. Eu gostaria de saber a sua opinião a respeito desse processo, até porque isso passa diretamente pelo investimento na formação dos professores. Eu acredito que isso pode ser até um critério para o pagamento da produtividade – hoje se tem grande dificuldade para medir a produtividade do professor para pagar um incentivo –, exatamente para que dominem essa forma de transmissão, que eu acredito que possa melhorar inclusive a forma de se ensinar. A sua opinião é muito importante para nós.

 

Guiomar Namo de Mello: Eu sou uma entusiasta do uso da tecnologia e acredito que ela pode viabilizar, por exemplo, a democratização do conhecimento e uma série de coisas. Mas eu não posso deixar, como educadora, de registrar que se o professor não dominar o conteúdo, não há tecnologia que dê conta do problema. Educar é ensinar, é dominar um conteúdo, dominar um modo de transmitir esse conteúdo e, sobretudo, dominar essa arte de saber manter um vínculo com o aluno. O vínculo do adulto com a criança, com o adolescente na escola, é fundamental para a aprendizagem. Sem esse vínculo, fica difícil. Não sou dessas que acha que a tecnologia vai substituir o afeto. Absolutamente. Acho que isso é tudo preconceito. Mas a gente não pode esquecer essas coisas: ensinar, saber o que ensinar e como ensinar, e saber como administrar o vínculo, que é especial.

Você não pode ter com o aluno um vínculo de filho, porque isso só dá problema. A gente ensinar o filho só dá problema. Precisa ter muito equilíbrio, precisa ser uma pessoa que gosta de fazer isso. Se eu colocar a tecnologia nesse contexto, acho que ela potencializa tudo o que é possível alcançar. Mas estamos num país onde os professores ainda têm problema de letramento – infelizmente… pode não ser a realidade de São Paulo, mas nós sabemos que o Brasil tem professores com problemas de letramento. E ele tem problema de letramento por quê? Porque foi à escola pública. Ele é pobre – professor no Brasil é pobre, ele vai para a escola pública. Ele aprende mal porque a escola pública está em crise. Ele não consegue entrar universidade pública porque esta universidade, cujo pai é Dom João VI, nunca teve interesse de educar professor. Ela gosta de educar engenheiro, médico, advogado. Professor, não. Então, ele paga para uma universidade privada sua formação. Tira do bolso e põe lá. Termina um curso de má qualidade porque ele não pode pagar mais do que X. E esse X não é suficiente para dar um bom curso. E nós temos esse preconceito de que não pode pôr dinheiro público em escola particular. Então, nós não subsidiamos. A universidade privada é que dá esse curso. E ele volta para onde? Ele volta para a escola pública. Porque ele não vai conseguir dar aula em escola particular. Em ensino fundamental e médio. Então, nós temos esse círculo perverso.

Eu acho que a tecnologia, vice-governador, pode ter um grande potencial para romper esse círculo da formação do professor. Não só ensinar o professor a usar a tecnologia, mas usar a tecnologia para ensinar o professor. Professor precisa saber Matemática, Língua Portuguesa, História, Geografia, Ciências. Eu posso fazer alguma coisa como a Khan Academy (organização não-governamental criada pelo professor Salman Khan), o telecurso ou qualquer outra coisa, uma tecnologia que permita fazer cursos à distância.

Acho, por exemplo, que a Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), no Estado de São Paulo, é uma enorme esperança nesse sentido porque ela pode formar professores de qualidade mais barato. Mais barato do que o curso que ele vai pagar à noite. Os dois melhores cursos de formação de professores do Brasil estão em São Paulo. Eu não vou dizer os nomes porque fica muito chato isso. Esses dois cursos vivem em crise permanente de dinheiro. Eles estão sempre pensando que vão fechar amanhã. Contando aluno para ver se no fim do mês dá para pagar a folha de pagamento. E não são escolas baratas. Assim mesmo têm problemas. Eu acho que uma das coisas que o PSD poderia pensar é num bom programa de parceria com o ensino privado, para que este ensino privado se comprometesse com a formação de professores de qualidade. Em troca disso faz um Prouni, mas um Prouni só para professores. E não um Prouni em geral, como está sendo feito.

 

Guilherme Afif:  E um incentivo para a carreira, não é?

 

Guiomar Namo de Mello: E um incentivo para a carreira! Se a universidade privada puder ter um subsídio, ela tem condição de dar um curso de melhor qualidade. Eu não acredito que a universidade privada dê curso ruim porque ela quer. Ninguém faz nada errado porque quer. As pessoas fazem as coisas erradas porque ou não tem conhecimento ou não tem dinheiro. Esse é o meu modo de ver, pelo menos. Eu sou muito otimista nesse ponto. Não sei se a resposta satisfez.

 

Sérgio Rondino: Nós temos mais uma pergunta de um cidadão paulistano. Agora é a vez do Francisco, de São Paulo. Vamos a ela.

 

Repórter: O senhor conseguiria comparar o ensino público com o particular?

Cidadão: (Risada). É brincadeira, né? Sem comentário. Não tem nem como. Há tempos atrás você poderia tranquilamente comparar. Hoje em dia não. Deixa muito a desejar. Diz que o Estado exige que teu filho seja aprovado mesmo que não saiba. Eu não entendo. Outro dia eu tive uma discussão séria com a professora. Eu disse: “Espera aí. A minha filha eu não quero que a senhora passe se ela não souber. Eu quero que ela saia daqui sabendo”. Como é que minha filha vai concorrer com alguém que estuda numa escola particular se ela, no terceiro ano, não sabe nem ler? Eu já encontrei várias mães que dizem “não, mas meu filho já está no terceiro ano”. A minha tem que sair daqui estudando, lendo. Eu quero que ela seja boa para o mundo. Para poder concorrer exatamente com a escola particular.

 

Guiomar Namo de Mello: Eu diria ao seu Francisco que ele também tem que perguntar por que a filha não aprende. Porque em princípio, as crianças estão prontas para aprender. Se elas não aprendem é porque alguém não sabe ensinar. Isso não significa que o professor seja o culpado de tudo. Mas nós temos que fazer uma aposta. Toda criança é capaz de aprender. Se a criança passou um ano na escola e não aprendeu nada, alguma coisa errada aconteceu. E não é com a criança. A menos que ela seja uma criança doente ou qualquer coisa assim. Uma criança normal não pode passar um ano na escola sem aprender nada.

 

Rubens Figueiredo:  A professora Guiomar apontou os três nós que precisamos desatar para desatar o nó da educação. A questão da reversão do aprimoramento do modelo federativo é um tema muito caro aqui para o Espaço Democrático. Inclusive, foi objeto de um seminário específico, de um debate específico, e perpassou as questões referentes à saúde e à segurança pública. A questão da formação do professor também está clara para as pessoas e foi tangenciada aqui em várias intervenções. Eu gostaria que a senhora aprofundasse, e o Schneider, que tem uma experiência como gestor da área educacional, como poderia ser essa repactuação do papel dos sindicatos nesse processo de aprimoramento da educação brasileira.

 

Guiomar Namo de Mello: Não vai ser fácil. Não é um caminho fácil. Eu acho que algumas coisas nós temos que repactuar no seguinte sentido: a escola e o professor tem que ter responsabilidade de resultados. A primeira coisa que vai ser respondida em geral é a seguinte: “Mas os alunos são muito pobres, não têm condições de trabalho”.  Tudo isso é verdade, mas o que dá para fazer? Nisso eu tenho que ser responsável. Por outro lado, todos os estudos já mostraram, todos, em todos os países, 90% do que um aluno desempenha na escola é da família – 90%, 85%, dependendo do país.

A gente pode dizer assim: “Pô, a gente faz todo esse sacrifício por 10%?” É. Sabe por quê? Porque esses 10%, se o aluno é um aluno de um bom professor, ele aprende uma vez e meia a mais do que um aluno que não é de um bom professor. Então, nesses 10% há uma grande diferença. Quem faz diferença na aprendizagem dos alunos? O professor. Não é o currículo. Currículo é importante, mas o professor tem que estar preparado para executar. Não é o livro, não é a instalação física da escola. É a família, o nível socioeconômico da família e o professor.

O Movimento Todos Pela Educação está fazendo um trabalho comparativo que talvez, em algum momento, vocês pudessem procurar saber. Eles estão comparando escolas pobres com o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) alto e escolas pobres com Ideb baixo. Escolas ricas com o Ideb alto e escolas ricas com o Ideb baixo. Para ver o que há em comum controlando o nível socioeconômico dos alunos. Acho que aqui nós vamos obter os mesmos resultados que têm sido obtidos nos EUA, na Finlândia, em todos os países. Estes 10% que fazem diferença na vida do aluno, que às vezes é a única janela de oportunidade que ele tem – se ele não entrar por aí, não entra mais – quem pesa nisso é o professor. De modo que a formação desse professor é o que vai fazer diferença nesses 10% que nós temos controle sobre ele. Porque eu não posso mudar a profissão do aluno, não posso mudar a constituição da família. Eu posso interferir, eu posso melhorar.

 

Rubens Figueiredo: O sindicato aceita essa metas?

 

Guiomar Namo de Mello: Eu acho que ele está se preparando para aceitar. Por exemplo, a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) já está aceitando a avaliação de desempenho de professor. Nos termos deles, que podem não ser os mesmos de um gestor, mas se os dois aceitam já dá para sentar à mesa e encontrar um ponto em comum. Que assim a democracia manda que a gente faça. Nós temos que repactuar. Nós temos um sindicato que durante muito tempo acabou desempenhando um papel, na minha opinião, maior do que deveria na determinação da qualidade, e eu acho que agora está na hora de a gente discutir quem é responsável por quem e como nós vamos pactuar isto. A Secretaria da Educação de São Paulo está discutindo uma carreira que vai ter uma avaliação de mérito. Não é a avaliação de mérito tal como vem sendo feito em outros países, mas é um começo. Eu acho que na democracia a gente tem que dar um passo de cada vez.

 

Alexandre Schneider:  Eu sou otimista em relação aos sindicatos, até pela vivência que nós tivemos aqui. Primeiro a gente tem que entender que o dia em que o sindicato deixar de ser corporativo, ele deixa de ser sindicato. Esse é um dado da realidade e nós temos que trabalhar com ele. A gente consegue apontar para um projeto de responsabilização por resultados da escola a partir do momento em que a gente entrega essa discussão a um campo racional. E mostrar, inclusive, o seguinte: nós vamos trabalhar a questão da responsabilização, mas vamos dar condições para que esse trabalho seja feito.

E sentar à mesa tirando os bodes da sala. Foi assim que gente conseguiu reestruturar a carreira. Ao reestruturar a carreira, fazer uma lei extremamente moderna em São Paulo, que prevê, inclusive, a certificação de professores. Isso, há cinco, seis anos atrás era impensável. E isso tudo foi feito negociando. É preciso entender os sindicatos e os profissionais como parte da solução do problema. Eu sou otimista em relação a isso.

E eu queria falar com o seu Francisco, que fez a última pergunta, dizer que nós precisamos de mais “seus” Franciscos nas escolas públicas e nas escolas privadas. Porque em escola privada de bom nível, a reunião de pais também conta com poucos pais. A gente não tem uma cultura das famílias acompanharem. Não são só os pobres – e muitas vezes os pobres até participam mais do que os ricos da educação de seus filhos – que muitas vezes acabam entregando (os ricos) para a escola ou imaginando que a escola tem responsabilidade sobre a educação integral dos seus filhos. Então, seu Francisco está de parabéns. Há escolas privadas piores do que escolas públicas no País, e há muitas. Aqui em São Paulo, por exemplo, há uma série de escolas privadas que não estão no mesmo nível das escolas públicas. E a escola vai mudar quando todos nós aceitarmos que ela precisa dar resultado, precisa dar resultado para todos. E que a equidade vai ser garantida quando todos puderem aprender e esse for um desejo da sociedade, para valer. Não só de campanhas de marketing ou de comunicação. Essa é a responsabilidade dos governadores, dos políticos, dos empresários, dos professores e dos pais. Não é pouca coisa que nós precisamos fazer. Mas nós não temos uma tradição, como outros países têm, de colocar a educação ao lado do projeto de desenvolvimento da nação. Como outros países colocaram. Está na hora de a gente fazer isso e eu estou muito confiante que o PSD vai fazer isso.

 

Guilherme Afif:  Eu queria fazer outra pergunta à professora Guiomar. Eu tenho visto um esforço muito grande dos prefeitos do interior em termos de melhorias de condições da educação do ensino fundamental, do básico, que é responsabilidade da prefeitura, e da educação infantil. E pelo que tenho visto, parece que a qualidade do ensino no interior está melhor do que nos grandes centros. Isso se confirma?

 

Guiomar Namo de Mello: Confirma. Eu costumo afirmar que a educação no Brasil vai melhorar município por município. Um de cada vez. Porque está mais ou menos provado que a municipalização com condições, que foi o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) – funciona. Sem o Fundef não dá para falar em municipalização. Em 1971 nós tivemos um início de municipalização, uma “prefeiturização”. Foi o governo jogar para cima do prefeito o ônus, sem o recurso. Mas o Fundef viabilizou isso. Eu acho que se o governo do Fernando Henrique e do Paulo Renato não tivesse feito nada e tivesse criado o Fundef, eles já teriam mudado a educação do Brasil. O Fundef foi, na minha opinião, a coisa mais importante como política pública. Então, no momento em que você viabiliza o Fundef, o que a gente vê é que os municípios vão chegando.

Evidentemente, há diferenças. Um vai mais rápido, outro vai mais lento. Mas a melhoria da qualidade com os municípios é mais fácil, você tem um controle social maior. Os provedores, esse pessoal que vende material, assistência técnica, eles também tem um contato social melhor. E no município é tudo do tamanho da dimensão humana. Não é como é no Estado, que tem uma Secretaria da Educação que tem 300 mil pessoas. Não é uma dimensão humana. Nem a secretaria municipal é uma dimensão humana. Eu não dou 50 anos para o ensino médio estar municipalizado.

 

Guilherme Afif: Se o princípio da descentralização – logicamente com os provimentos necessários – no ensino fundamental tem sido vitorioso, então por que nós não apressamos esse processo para o ensino médio?

 

Guiomar Namo de Mello: Eu não teria resposta para isso. Acho prematuro.

 

Rubens Figueiredo: Os especialistas falam muito da questão do bônus demográfico. Em 2025 nós atingiríamos um patamar dos sonhos de qualquer país, com muita gente na população economicamente ativa, menos pessoas nas escolas infantis, fundamental e média e poucos dependentes idosos da previdência social. A minha pergunta é a seguinte: se vamos ter menos alunos, com os recursos que se tem hoje, não é de se esperar que haja uma melhoria na qualidade mais ou menos “natural”?

 

Guiomar Namo de Mello: Eu lamento, porque acho que nós estamos a caminho de perder esta janela demográfica. Nós tivemos um problema sério, principalmente com o ensino médio. Nós tivemos um pequeno baby boom no final dos anos 1990 e começo do século 21. Ele aumenta muito o número de alunos já no ensino médio, porque é uma onda que vai levando. O ensino médio, por vários motivos, explode do ponto de vista de crescimento. Se você vir agora o ensino médio, está diminuindo não por causa da demografia, por causa da evasão ou por causa das dificuldades de qualidade do próprio ensino médio. Esta é uma questão. As séries de 6ª à 9ª são hoje as mais problemáticas, além do ensino médio. Nós temos de 1ª a 5ª relativamente organizadas. Gostaria até de ver se o Alexandre concorda comigo. De 6ª a 9ª a coisa complica bastante e no ensino médio, então, é aquele desastre que a gente já conhece. E esta janela demográfica nós teríamos que estar aproveitando agora, você tem toda razão. O Brasil tem essa oportunidade demográfica, mas se a gente não melhorar a qualidade logo, nós continuaremos com uma força de trabalho muito mal qualificada.

 

Sérgio Rondino: Professora, a propósito, dessa melhoria que a senhora citou, nós já temos o resultado da enquete, que fizemos entre aqueles que estão nos acompanhando. Uma parte deles respondeu. Duzentas e oitenta e quatro pessoas responderam da seguinte maneira. A pergunta era “Como melhorar a educação pública no Brasil?” A, com uma formação continuada do professor, recebeu 40% dos votos; a questão B, com um currículo mínimo nacional, recebeu 10% das preferências; e a questão C, com mais investimentos, venceu. Portanto, para as pessoas que nos assistem, a questão dos investimentos leva vantagem, em relação a… 50%. Metade das pessoas acha que a situação melhoraria com mais investimentos; 40% com a formação continuada do professor; apenas 10% deles acha que o currículo mínimo nacional seria a melhor solução.

Alexandre Schneider: Acho que o resultado é o esperado. Existe sempre a questão do investimento. Sempre que se fizer uma pesquisa desse tipo, vão dizer o seguinte: se colocar mais dinheiro, vai resolver. Na verdade é preciso usar melhor o dinheiro. Basicamente é isso. Não que não precise de mais dinheiro, mas sem saber usar, você pode pôr quanto dinheiro for que não vai resolver.

 

Guiomar Namo de Mello: Nós já temos esse exemplo. Tem município, por exemplo, em que o custo-aluno no Brasil já é R$ 8 mil por ano. E nem por isso ele tem um IDEB melhor.

 

Alexandre Schneider: Voltando à última questão colocada pela Guiomar, os próprios números do “Todos pela Educação”, quando nos dão um panorama dos alunos que tiveram aprendizagem adequada, mostram o que você acabou de colocar. Na Prova Brasil 2011, dos alunos do 5° ano, apenas 40% tiveram aprendizagem adequada em Língua Portuguesa; 36% em Matemática. Quando a gente vai para o 9° ano, já existe a primeira geração de boas notas no ciclo 1: 27% em Língua Portuguesa e 17% em Matemática. No 3°, 30% em Língua Portuguesa e 10% em Matemática com aprendizagem adequada.

 

Guiomar Namo de Mello: Veja a janela demográfica que a gente está perdendo? Eu fico aflitíssima com isso. A gente percebe que essas coisas estão acontecendo e não temos o controle delas.

 

Alexandre Schneider: E o país hoje continua discutindo a questão da alfabetização como prioridade – e não deixa de ser importante –, mas deixa de lado o ciclo 2 e o ensino médio, que são os grandes gargalos e o maior problema. Os dados estão mostrando isso: ter melhor desempenho no ciclo 1 não leva necessariamente a um melhor desempenho no ciclo 2. Que é o que se acreditava no passado. Portanto, nós temos que olhar para o ciclo dois e para o ensino médio, senão nós não vamos melhorar a qualidade da educação no país.

 

Guiomar Namo de Mello: Nós temos uma escola dividida em duas. Uma escola da tia, que é a professora polivalente, que mantém vínculo. E depois a escola com um monte de professores, tudo picado, um currículo todo fragmentado. Um professor muitas vezes horista, que dá aula aqui, ali e ali. Já não cria mais o vínculo com a escola. Quer dizer, esse modelo nunca foi revisto. Começou no Colégio Dom Pedro II, em mil oitocentos e não sei das quantas. Nunca mais foi revisto.

 

Sérgio Rondino: Vamos ouvir mais uma questão de um cidadão de São Paulo gravada por nós.

 

Cidadão: Meu nome é Gilmar Camargo. Eu tenho uma filha que estuda aqui no Marina Cintra, que é uma escola pública. Eu percebo que a minha filha, com muito custo, com a minha força de vontade e da minha esposa, consegue alguma coisa, consegue ter um desempenho dentro da escola. Enquanto eu vejo algumas amiguinhas dela que não sabem ler ainda, não sabem escrever com nove anos de idade. Será que isso é culpa dos pais? Talvez não. Será que é culpa da escola? Eu acho que a culpa é, principalmente, do governo. Eu acho que deveria haver mais investimento, mais empenho para que a gente possa ter… para que os filhos da gente possam ter um futuro.

 

Guiomar Namo de Mello: Mais investimento é a saída o cidadão, que não é especialista e está fazendo a pergunta, vê. Na verdade, só dinheiro não vai fazer tanta diferença. Existem municípios que gastam mais e têm desempenho pior. O bom de a gente ter avaliação é isto. Porque tendo avaliação você tem evidência. Você tem dado para mostrar e isso é muito importante, porque desfaz essa ideia. É preciso mais dinheiro? Sim. Mas se não souber usar, é desperdiçar mais dinheiro. Então, nós temos que ao mesmo tempo melhorar o modo como a gente faz a gestão do processo. Não só a gestão pedagógica como a gestão institucional, administrativa, e aumentar o dinheiro.

Por exemplo: o salário médio do professor brasileiro corresponde a 38%, 39% do salário médio dos profissionais de nível superior. É pouco? É, mas há países em que é menos. Tem que aumentar? Tem. Mas não dá para aumentar demais. Porque não vamos esquecer que magistério é uma profissão de massa. É diferente você comparar o salário do magistério com o salário do médico. E hoje os salários do médico e do professor não estão tão longe assim. Sendo que o médico não tem as férias que o professor tem. O médico tem uma formação clínica que excede os cinco anos. Então, mesmo correndo o risco de não ser muito simpático, a gente precisa dizer que falar em mais investimento não resolve. Nós temos que dizer onde vamos pôr esse dinheiro. Se for mais investimento para fazer o mesmo, eu acho que não vale a pena.

 

Guilherme Afif: Eu acho que aí seria a diferença entre investimento e gasto. Uma coisa é gastar com educação e outra coisa é investir em educação. É a qualificação do gasto. Esse é o ponto central.

 

Rubens Figueiredo:  A professora Guiomar falou de uma articulação entre o poder público e a iniciativa privada para, por exemplo, formar professores. O Espaço Democrático, o PSD, em várias discussões… nós temos colocado a questão da possibilidade de PPPs em vários setores, principalmente na área de infraestrutura de caráter social. E a gente vê em vários municípios uma educação de boa qualidade sendo fornecida por empresas que têm o seu próprio sistema de ensino. Como a senhora vê, e o Alexandre também, a possibilidade de uma articulação mais produtiva e menos distanciada do poder público e da iniciativa privada para elevar a qualidade da educação?

 

Alexandre Schneider: Eu acho que existe uma possibilidade grande, como disse a professora Guiomar, na área de formação de professores. Eu acho que a gente pode trabalhar com o setor privado para apoiar e para criar processos mais eficazes de formação de professores. De outro lado, também nas PPPs, especialmente na expansão de determinadas modalidades de ensino onde a matrícula ainda é muito baixa e o Estado demora muito para construir novas unidades. Então, eu vejo que a parceria com setor privado pode ser muito boa para o setor público, especialmente nessas duas áreas e na troca de experiências. Agora, a escola é pública, ela não é estatal. E por ser pública, todos os agentes que podem colaborar com ela são bem-vindos. O meu entendimento é esse.

 

Guiomar Namo de Mello: Olha, eu, inclusive, trabalho com empresas que fazem sistemas de ensino. Então, eu seria a última pessoa a criticar uma solução dessas. No entanto, eu acho que a gente tem que considerar que o Brasil já fez essa opção por uma matriz público-privada há muito tempo, quando o nosso livro didático passou a ser feito no parque das editoras privadas. Muitas vezes o pessoal diz assim: “Não, mas é um absurdo comprar sistemas de ensino!”. Sempre compramos livros, sempre compramos da iniciativa privada. Essa é uma matriz que antecede… Antes mesmo de 1964 ela já existia. E eu me lembro que quando o Fernando Henrique se elegeu eu falei com o Portela, irmão da Leila. “Portela, você vai pro FNDE, eu faço uma estátua para você se o livro didático chegar em tempo de ser usado no planejamento”.

 

Alexandre Schneider: Você fez a estátua ou não?

 

Guiomar Namo de Mello: Eu não fiz… Mas ele conseguiu. O governo do Fernando Henrique foi o governo onde o livro didático chegou na hora em que tem de chegar. Então, o fato de ser sistema ou livro didático é a mesma coisa, é sempre uma parceria público-privada. Qual é a vantagem do sistema em relação ao livro didático? O livro didático, cada professor escolhe o seu. É um modelo irracional que existe no Brasil. Eu posso ser professor de uma classe de sexto ano e você de outra, na mesma matéria, e você adota um livro e eu, outro. Porque foi montado em cima da escolha individual do professor. O sistema é uma proposta de material didático articulado, estruturado, que para fazer a escolha do sistema você tem que ter a equipe. Então, acho que essa é uma vantagem, porque nosso professor precisa ainda do material estruturado.

Talvez no futuro a gente possa ter um professor que, sei lá, crie, invente a roda todo dia, que entre na sala de aula e seja tão criativo e bem preparado que ele possa fazer como… eu tive um professor de filosofia que entrava na sala de aula e dizia assim: “O que nós vamos intuir hoje?”. Pode ser que isso seja possível, mas o que nós temos até agora com esse sistema de formação de professor eu vejo que… essa parceria público-privada é uma parceria vantajosa e que já existia com o livro didático.

 

Sérgio Rondino: Vamos às considerações finais. Vou pedir a cada um dos nossos especialistas aqui da mesa, Alexandre e a professora Guiomar, de preferência escolhendo um ponto, que nos responda à seguinte questão, dado o objetivo desse debate: o que o programa do PSD deveria propor ou conter para a educação pública no Brasil?

 

Guiomar Namo de Mello: Eu acho que o modo como o Alexandre tratou e coloca a questão de um pacto com os sindicatos é uma coisa importante para um partido político. Ele tem um caminho e é desse partido, acho que deveria levar essa experiência e propor que o PSD seja a vanguarda dessa negociação, não necessariamente nas concessões, mas pelo menos na abertura de uma negociação mais democrática sobre esse tema.

 

Alexandre Schneider: Eu acho que a construção desse pacto é algo urgente no Brasil. Um pacto efetivamente nacional, que respeite os entes federativos. Fazer um pacto não é a União dizer o que os entes federativos têm que fazer. É saber qual é o piso do salário, se o currículo tem que ser detalhadíssimo a partir de uma matriz federal ou não. Fazer um pacto é sentar todo mundo à mesa e resolver esse que talvez seja o grande nó do nosso país, que é garantir a educação de qualidade para todos. Para todos os nossos alunos que estão precisando construir o seu projeto futuro e que não têm hoje os instrumentos para fazê-lo com a educação que o Estado procura lhes garantir.

 

Guiomar Namo de Mello: Posso agregar uma coisinha? Educação de qualidade para os nossos professores. Não só para os nossos alunos, porque sem os nossos professores os alunos não vão ter educação de qualidade.

 

Alexandre Schneider: E a outra questão é um projeto que trabalhe a questão a partir da sala de aula. Às vezes a gente discute as questões de uma forma tão ampla e tão complexa e esquece que talvez a solução seja mais simples. Fazer a sala de aula se tornar um ambiente efetivo de aprendizagem. É olhar a partir da sala de aula, para os alunos, para os professores, para o processo que se dá ali e a partir daí construir o projeto de uma educação de qualidade para todos.

 

Sérgio Rondino: O vencedor do sorteio de hoje do nosso livro, Em busca da melhor cidade – Análises, ideias e soluções para os Municípios do Brasil foi o Roberto Pacheco e Silva, que nos enviou a pergunta pela internet. Eu gostaria agora das considerações finais do diretor do Espaço Democrático, Rubens Figueiredo.

 

Rubens Figueiredo: O debate hoje tocou em várias questões que são discutidas com frequência aqui no Espaço Democrático. Isso é muito estimulante para a gente. A dificuldade, é o que me parece, é que no Brasil nós temos que educar, além do aluno, o professor e os pais. O que torna essa, uma tarefa gigantesca, mas importantíssima se a gente quiser que o país alcance o patamar de um país desenvolvido. Eu vejo com muita simpatia essa generosidade com que os nossos especialistas analisam o papel do município. Um esforço gigantesco inclusive para se criar o contraturno. Quer dizer, a criança está estudando além do período normal em muitas cidades. Inclusive em Mogi das Cruzes – que tem o prefeito Bertaiolli, do PSD. E essa visão muito estimulante também de uma parceria público-privada que poderia melhorar a educação como um todo no Brasil. E o envolvimento dos pais, que é fundamental. Na maioria das escolas que têm indicadores altos, o papel dos diretores e o envolvimento dos pais é fundamental.

 

Sérgio Rondino: E agora as palavras finais do nosso governador Guilherme Afif:

 

Guilherme Afif: Muito obrigado! Eu quero agradecer demais a presença da professora Guiomar e requisitá-la para outros debates no tema da educação. Nós precisamos muito, hoje, organizar as inteligências em nosso país exatamente para criarmos uma visão moderna, menos ideologizada, muito mais prática daquilo que a nação espera da classe política. Portanto, sua contribuição é inestimável, como é a contribuição do Alexandre, essa jovem liderança que tão bem atua no campo da educação e aqui está se dedicando à construção do nosso projeto. Então, eu agradeço esta contribuição e a presença de todos. O professor Rubens, o nosso querido âncora, Sérgio Rondino, e agradecer a você, internauta, militante do nosso partido, que nos acompanhou neste debate.

 

Sérgio Rondino: Eu agradeço, então, à nossa plateia aqui presente no auditório do Espaço Democrático pela gentileza de acompanhar os nossos trabalhos. Agradeço a todos aqueles que nos acompanharam pela internet em todo o Brasil. Uma boa noite a todos. 

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